Dra. Thayana Ribeiro Kajitani Pacheco

1- O lúpus eritematoso sistêmico ou simplesmente lúpus é uma doença autoimune inflamatória crônica.

Doença autoimune é quando o sistema imunológico da pessoa acometida que em situações normais elabora respostas para defender contra agressores externos (como bactérias, virus), passa a elaborar respostas (através dos autoanticorpos) contra elementos do próprio organismo.

O lúpus é inflamatório porque causa uma inflamação nos tecidos e órgãos, com aumento da expressão de mediadores e células inflamatórias.

O lúpus é crônico porque o estado inflamatório e o desequilíbrio do sistema imunológico com a produção de autoanticorpos e agressão aos órgãos alvo tem longa duração, geralmente durando vários anos.

O lúpus é sistêmico porque pode afetar o organismo como um todo. Doenças sistêmicas costumam causar sintomas como fadiga, mal estar, febre e perda de peso. O lúpus pode afetar qualquer órgão do corpo.

2- O lúpus acomete mulheres em idade reprodutiva

A doença é muito mais frequente em mulheres na idade reprodutiva, sendo que os primeiros sintomas são geralmente mais frequentes entre a segunda e terceira décadas de vida. Nessa faixa etária, há cerca de 10 mulheres com lúpus para cada homem com a doença.

Apesar disso, o lúpus também ocorre em crianças e idosos e nessas faixas etárias há cerca de 3 mulheres para cada homem com a doença.

Essa maior frequência do lúpus na faixa etária reprodutiva sugere que os hormônios, em especial o estrogênio exerce influência no surgimento da doença, podendo desencadear as alterações imunológicas que levam ao desenvolvimento do lúpus.

3- O lúpus tem forte componente genético e familiares de pacientes com lúpus tem maior risco de desenvolver a doença

Do ponto de vista genético é bem conhecida a forte influência genética do lúpus. Vários genes já foram relacionados ao lúpus.

Um gêmeo idêntico de um paciente com lúpus tem risco 29 vezes maior de desenvolver a doença em relação a população geral. Esse risco é 10 vezes menor se o gêmeo não for idêntico.

Parentes de primeiro grau de um paciente com lúpus têm um risco 17 vezes maior de desenvolver a doença.

4- O FAN positivo não representa diagnóstico de lúpus

O FAN é um exame laboratorial que avalia a presença de autoanticorpos.  A simples presença de auto anticorpos não significa diagnóstico de lúpus pois podem ocorrer em doenças infecciosas, neoplásicas e até mesmo em pessoas saudáveis.

Entretanto, diante de pacientes com lúpus o FAN é positivo em cerca de 98% dos casos. 

Na análise médica, além do FAN positivo há necessidade de avaliar os padrões do exame pois há padrões que se correlacionam mais fortemente a possibilidade de doença autoimune

Para o lúpus os padrões de maior importância são:

  • padrão nuclear homogêneo
  • padrão nuclear pontilhado grosso
  • padrão citoplasmático pontilhado fino denso

5- O lúpus causa manchas avermelhadas no rosto

Várias lesões de pele podem ser causadas pelo lúpus. Geralmente são lesões inicialmente avermelhadas mas podem ter variação na cor a depender da pele do paciente, adquirindo em alguns casos cor de café ou acastanhada.

As lesões do lúpus mais características são do tipo fotossensível, ou seja, podem aparecer ou piorar de aspecto com a exposição solar. Logo, são mais comuns em áreas foto-expostas como cabeça, braços e colo.

A lesão mais típica ocorre na face ( em bochechas e nariz) e é chamada de rash malar ou rash em asa de borboleta.

Após o controle da atividade inflamatória da doença as lesões desaparecem sem deixar cicatriz, embora, em alguns casos, possa se transformar em uma  mancha marrom semelhante ao melasma.

Há um outro tipo de lesão de pele também bastante comum na cabeça e tronco que inicialmente são avermelhadas mas que costumam deixar uma cicatriz de coloração branca e pele fina ( cicatriz atrófica). São as lesões discóides. As lesões de pele no lúpus ocorrem em cerca de 70% dos pacientes no início da doença e em até 80-90% dos casos na evolução.

6- O lúpus causa artrite ( inflamação articular)

O lúpus pode causar dor e inflamação articular em até 80% dos casos. As articulações mais frequentemente afetadas são as das mãos , cotovelos

Pode haver apenas dor articular com rigidez matinal maior que 30 minutos e pode haver além da dor, edema articular, podendo a articulação ficar vermelha e quente.

Dra Thayana Kajitani - reumatologista, especialista no tratamento de Lúpus Eritematoso Sistêmico.

7- O lúpus pode causar inflamação renal (nefrite) de forma silenciosa, ou seja, sem sintomas.

O lúpus pode causar inflamação renal (nefrite lúpica) de forma silenciosa, sendo detectada através de exames laboratoriais de sangue e urina.

As principais manifestações nos exames são: alteração da função renal ( aumento da creatinina) e perda de proteínas ou sangue no exame de urina.

Inicialmente essas alterações renais podem não produzir sintomas, sendo necessário o acompanhamento através de exames laboratoriais periódicos, solicitados pelo médico reumatologista, com experiência no tratamento do lúpus.

Quando as alterações renais são intensas aparecem sintomas como edema  (inchaço) de pernas e pés, urina espumosa, edema ( inchaço) palpebral e se houver perda considerável da função renal podem aparecer sintomas como naúseas (enjoos), vômitos, fraqueza, tremores e redução do volume urinário.

A nefrite lúpica necessita de um tratamento agressivo e imediato, para que não haja perda irreverssível da função renal ou até mesmo risco de morte.

8- O lúpus pode ser tratado com anti-maláricos

 Os anti-maláricos, em especial a hidroxicloroquina, é fundamental para o tratamento do lúpus. Funciona como imunomodulador, sendo importante para auxiliar a “regulação” do sistema imunológico.

A hidroxicloroquina auxilia a manter o lúpus sobre controle, com menor índice de atividade da doença.

Outros efeitos benéficos da hidroxicloroquina:

  • melhora das lesões de pele e da dor articular
  • melhora o perfil lipídico: reduz o LDL- colesterol (colesterol “ruim”) e melhora os níveis de HDL-colesterol (colesterol “bom”).
  • redução do risco de trombose
  • redução do risco de infecções
  • melhora do efeito de outros medicamentos para o tratamento do lúpus como o micofenolato de mofetila e a azatioprina. 

9- Quem tem lúpus pode engravidar ?

Essa é uma dúvida muito comum entre a população geral. Acredita-se que tem lúpus não pode engravidar. Porém, o lúpus por si só não compromete a fertilidade, embora esteja associado a maior número de complicações durante a gravidez, especialmente se a doença não estiver controlada. A gravidez em uma paciente portadora de lúpus deve ser considerada de alto risco e deve ser feito um acompanhamento minucioso e regular.

Por outro lado, o uso dos imunossupressores na maioria das vezes, contraindica a gravidez pois algumas dessas medicações tem potencial de causar má formação fetal. É o caso do micofenolato de mofetila e do metotrexato. Há uma outra medicação frequentemente usada para tratamento dos casos graves, chamada ciclofosfamida, que além de causar má formação fetal, pode levar a menopausa precoce e, portanto, comprometer a fertilidade. Esse efeito é mais frequentemente observado nas pacientes com idade superior a 35 anos e/ou que tenham feito uso dessa medicação por período prolongado.

As mulheres com LES devem ser aconselhadas a não engravidar até que a doença esteja controlada por pelo menos seis meses e sem uso de medicação imprópria para o período. Uma gravidez planejada e bem acompanhada vai gerar um bebê saudável e uma mãe realizada.

10- O lúpus não tem cura

Sim, é verdade. Até o presente momento, não se pode falar em cura do lúpus, mas em controle. Assim como diversas outras doenças crônicas como o diabetes e a hipertensão arterial.

Com o acompanhamento adequado e seguindo as recomendações de tratamento, é possível que a doença se mantenha controlada e sem sinais de atividade. Com alguns cuidados e seguimento médico o paciente pode ter uma vida saudável e feliz, estando apto a realização de todos os seus sonhos.

Dra Thayana Kajitani - reumatologista, especialista no tratamento de Lúpus Eritematoso Sistêmico.

Referências

Nat Rev Rheumatol. 2023 Apr;19(4):227-238. doi: 10.1038/s41584-023-00925-5.

Rev. Bras. Reumatol. 55 (1) • Jan-Feb 2015  • https://doi.org/10.1016/j.rbr.2014.09.008 

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